segunda-feira, 31 de março de 2008

"O Arquivista"

Trabalhava num escritóriozinho bafiento e com uma atmosfera pesada, densa, num prédio degradado e de mau aspecto.
Sujo e cuja iluminação da escada suja nem funcionava.

Tratava de papelada que não interessava a ninguém.
Mas que por Lei teria de ser guardada.
Gostava de se apresentar como "Arquivista" quando alguém o inquiria sobre a sua profissão, nas parcas e escassas conversas que tinha aqui e ali, visto ser um bocado solitário.

Tudo naquele escritório era velho...
As luzes do candeeiro do tecto, davam uma tonalidade amarelada e doente à divisão...
O próprio papel dos infindáveis documentos, processos, pastas, estava amarelecido...
Aliás, ali até o papel novo parecia envelhecer assim que entrava porta adentro.

As janelas estavam com as persianas cerradas, pois como se tratava de uma cave, assim evitava-se que a urina dos cães ou dos bêbedos penetrasse nas frestas.

Era um dia invernoso, de inverno, entenda-se, já que hoje em dia o clima parece que anda de candeias às avessas...
Chovia muito e estava frio e vento.
O dia estava negro.

Nesse dia ele estava muito deprimido.
Decidiu então terminar com tudo.
Já não era novo e sabia que não teria muitas chances de mudar de vida.
Sabia estar condenado a ter aquela vida deprimente até ao fim dos seus dias, ou até à idade da reforma, o que fosse que chegasse primeiro...

Tomou uma dose generosa de ansiolíticos, que já tomava, mas sob prescrição médica e em doses suaves.
Deixou-se dormir na sua cadeira velha e com o tecido muito roçado e não acordou mais.

Foi descoberto nove dias mais tarde quando ao fim de tanta queixa de mau cheiro por parte dos poucos habitantes daquele prédio velho na zona da Graça, o seu chefe decidiu ir lá averiguar o porquê da situação.

O chefe nem tinha ligado quando o tentou contactar pelo telefone para o "arquivo" já que imaginava que ele tivesse pura e simplesmente abandonado o mesmo...
É que ele tinha sabido por intermédio de outros colegas que trabalhavam lá na sede que a chave de totoloto que ele usava há mais de dez anos tinha calhado no sábado passado.

E pensaram que pura e simplesmente ele tivesse ido gozar a vida.
Não tinha sido semana de jackpot, mas é que só tinha havido um totalista.

O chefe não conteve uma lágrima de pena quando vasculhou na carteira abandonada em cima da secretária e lá estava o ticket que provava a combinação vencedora.

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